Controvérsias na mudança de critério jurídico em processos de compensação

O tema da mudança de critério jurídico em processos de compensação tributária tem sido alvo de intenso debate nos círculos do direito tributário, principalmente após a discussão de Thais de Laurentiis em sua tese de doutorado, que já foi transformada em livro. A importância do assunto foi confirmada na última edição do 11º Seminário Carf, onde foi debatido em dois painéis distintos, um aberto ao público e outro reservado aos conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.



Em termos gerais, o artigo 146 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a modificação nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no lançamento só pode ser efetivada em relação a fatos geradores ocorridos após a introdução do novo critério. Esse dispositivo, embora trate especificamente de lançamentos, tem sido amplamente discutido no âmbito do Carf, inclusive em processos de compensação, onde a aplicação prática pode divergir de sua intenção original.



Nos processos de compensação, a Receita Federal costuma limitar-se a verificar a existência do direito creditório, sem analisar requisitos adicionais que possam impedir a sua utilização. Quando o crédito é confirmado em manifestação de inconformidade, a Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ) pode apresentar razões adicionais para negar a homologação da compensação. A controvérsia surge quando se questiona se a DRJ, ao alterar o critério jurídico, está violando o artigo 146 do CTN ou se, em razão da natureza do processo de compensação, os julgadores devem apurar a liquidez e certeza do direito creditório, exigindo a verificação de todos os requisitos legais.



Jurisprudência do Carf



O Acórdão nº 1102-001.679, datado de 25 de julho de 2025, analisou a compensação de crédito de saldo negativo de IRPJ composto por imposto de renda retido na fonte (IRRF). O despacho decisório eletrônico negou a homologação da compensação pela falta de comprovação da retenção na fonte. Mesmo após a comprovação em manifestação de inconformidade, a DRJ manteve a negativa, argumentando que as receitas correspondentes não foram oferecidas à tributação. O voto vencedor afastou a aplicação do artigo 146 do CTN aos processos de compensação, considerando que o dispositivo se aplica apenas a lançamentos de ofício. Assim, a responsabilidade de comprovar a liquidez e certeza do crédito recai sobre o contribuinte, enquanto a administração verifica a conformidade com requisitos legais, incluindo a Súmula Carf nº 80.



O Acórdão nº 1201-006.290, de 14 de março de 2024, tratou da compensação de saldo negativo de CSLL composto por tributo pago no exterior. O despacho não homologou a compensação por suposto impossibilidade de aproveitar créditos havidos no exterior em anos anteriores. A DRJ manteve a negativa, citando erro na taxa de câmbio, falta de comprovação de parte dos recolhimentos no exterior, aproveitamento desproporcional de créditos e a impossibilidade de compensar créditos de anos anteriores. O Carf concluiu que não houve mudança de critério jurídico, pois a DRJ exigiu do contribuinte a comprovação de liquidez e certeza do direito creditório, algo que faz parte do processo de compensação em todas as instâncias.



No Acórdão nº 1201-007.053, de 10 de outubro de 2024, o contribuinte buscou compensar crédito de pagamento a maior de estimativa mensal de CSLL. O despacho não homologou a compensação sob o argumento de que o pagamento estava alocado a outro débito. A DRJ, ao analisar a manifestação de inconformidade, identificou erro no pagamento e, embora tenha superado o obstáculo apontado pelo despacho, constatou duplicidade de retenções na fonte de CSLL. Os julgadores reconheceram que a autoridade de primeira instância possui ampla cognição sobre a matéria, mas limitaram a expansão de fundamentos ao pedido de restituição ou compensação, mantendo o provimento do recurso voluntário.



O Acórdão nº 1302-005.107, de 9 de dezembro de 2020, abordou a compensação de pagamento indevido de estimativa mensal de CSLL. O despacho não homologou a compensação porque as estimativas deveriam compor o saldo negativo. A DRJ, após a manifestação de inconformidade, reconheceu que a estimativa não havia sido computada no saldo negativo e, portanto, manteve a negativa apenas em relação à parcela não comprovada. Neste caso, a mudança de critério jurídico foi considerada decorrente da própria defesa do contribuinte, não gerando nulidade.



O Acórdão nº 1001-002.901, de 4 de abril de 2023, tratou da compensação de saldo negativo de IRPJ de empresa sucedida. O despacho não homologou a compensação por impossibilidade de confirmar o evento sucessório. O contribuinte demonstrou a sucessão em manifestação de inconformidade, e a DRJ reconheceu parcialmente o direito creditório, negando apenas a parcela relativa às retenções na fonte não confirmadas. O Carf entendeu que a DRJ impôs ao contribuinte um obstáculo sem lhe permitir apresentar documentos que pudessem comprovar a retenção, e, por isso, concedeu prazo adicional para a manifestação de inconformidade.



No Acórdão nº 1002-003.354, de 3 de abril de 2024, a DRJ não homologou a compensação de crédito de IRRF sobre juros sobre o capital próprio (JCP) com débito de mesma natureza, alegando que o IRRF só poderia ser compensado até 31 de dezembro do ano em questão. O Carf reconheceu mudança de critério jurídico, acolheu a preliminar de nulidade e determinou o retorno dos autos à origem para nova decisão. A diferença em relação ao Acórdão nº 1001-002.901 reside no fato de que, neste caso, a DRJ determinou a prolação de novo despacho decisório, enquanto no outro caso concedeu prazo adicional para manifestação de inconformidade.



Conclusões



Os julgados do Carf apresentam duas linhas de pensamento distintas. Por um lado, há decisões que reconhecem que a alteração do critério jurídico pela DRJ deve resultar em anulação da decisão, na concessão de prazo adicional para manifestação de inconformidade ou na prolação de novo despacho decisório. Por outro, há acórdãos que afirmam que, nos processos de compensação, a autoridade de primeira instância tem ampla cognição para verificar a liquidez e certeza do direito creditório em todas as instâncias, afastando a aplicação do artigo 146 do CTN quando a DRJ exige o cumprimento de requisitos legais adicionais.



Além dessas duas posições, há situações em que a mudança de critério jurídico pela DRJ decorre da própria manifestação de inconformidade do contribuinte, situação que não gera nulidade. Assim, a aplicação do artigo 146 do CTN aos processos de compensação permanece em debate, exigindo análise cuidadosa de cada caso concreto e das nuances da jurisprudência do Carf.



Em síntese, a mudança de critério jurídico em processos de compensação tributária continua sendo um terreno fértil para discussão, exigindo dos profissionais do direito tributário atenção às nuances da jurisprudência e aos requisitos legais que regem cada tipo de crédito.



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Controvérsias na mudança de critério jurídico em processos de compensação
Rannyelly Alencar Paiva September 17, 2025
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