Equilíbrio é essencial na ação de alimentos entre ex-cônjuges

O direito de família tem se afastado da concepção de que a pensão alimentícia entre ex-cônjuges funciona como um “INSS privado”. O entendimento atual, consolidado pela jurisprudência do STJ, estabelece que tal obrigação possui caráter excepcional e transitório, devendo ser avaliada por critérios objetivos como idade, saúde, formação profissional e real possibilidade de inserção no mercado de trabalho.



Em decisão recente da 7ª Vara de Família de Goiânia, o ex-marido foi exonerado da obrigação de pagar pensão à ex-esposa após 30 anos de divórcio. A magistrada argumentou que, depois de três décadas, a ex-esposa já tinha tempo suficiente para atingir autonomia financeira, pois os alimentos têm natureza assistencial e não podem se converter em renda vitalícia. O valor em questão correspondia a 20% dos rendimentos líquidos do alimentante, que alegou incapacidade de arcar com o encargo, sustentando que a ex-cônjuge já não demonstrava necessidade real.



O caso gerou debates sobre a razoabilidade de manter ou extinguir a pensão após tantos anos. A discussão central gira em torno do limite temporal da obrigação alimentar e da expectativa legítima de independência econômica pós-divórcio. A decisão, embora controversa, reflete a evolução jurisprudencial que reconhece a função instrumental e transitória da pensão entre ex-cônjuges.



O STJ tem consolidado premissas que orientam esses julgamentos. No REsp 1.496.948/SP, relatado pelo ministro Moura Ribeiro, destaca‑se que a análise deve ir além do binômio possibilidade‑necessidade, incorporando a capacidade potencial de trabalho e o tempo decorrido desde o início da obrigação. A regra geral é a fixação com termo certo, permitindo ao beneficiário um período razoável de reorganização profissional. A exceção de pensão vitalícia restringe‑se a casos de incapacidade comprovada, doença grave ou barreiras objetivas de empregabilidade.



Além da boa‑fé objetiva, que impede o beneficiário de transformar a pensão em ócio subvencionado e o alimentante de cessar o pagamento por capricho, o julgador deve ponderar fatores como esforço de recolocação, histórico de vida, idade funcional e tempo de dependência. O equilíbrio entre autonomia e solidariedade é essencial para evitar que a pensão se torne refúgio confortável ou que sua extinção ocorra sem justificativa sólida.



Para situações em que a abordagem tradicional se mostra insuficiente, a doutrina oferece o instituto dos alimentos compensatórios, ou humanitários, inspirado em modelos francês e espanhol. Esses alimentos têm caráter indenizatório, destinando‑se a recompor o desequilíbrio patrimonial que surge quando um cônjuge sai da relação em posição econômica mais vantajosa. Critérios de fixação incluem a queda abrupta do padrão de vida, a duração da convivência e as possibilidades econômicas de cada parte.



A proposta de reforma do Código Civil, PL 4/2025, introduz a compensação pelo trabalho doméstico e de cuidado, reconhecendo a valoração jurídica da economia do cuidado. O artigo 1.688, § 2º, do projeto garante o direito de compensação judicial aos cônjuges ou conviventes que prestaram serviços à família e à prole, quando não houver acordo.



Assim, a exoneração concedida na 7ª Vara de Goiânia encontra respaldo na jurisprudência, pois 30 anos representam um lapso mais que suficiente para a transição e reorganização financeira. Contudo, a regra do termo final não deve levar a decisões apressadas que neguem amparo a quem ainda necessita. A avaliação deve ser qualificada, ancorada em provas concretas de recolocação, condições de saúde, idade funcional e histórico de dedicação ao lar. Quando a vulnerabilidade persistir, a continuidade ou modulação da pensão, ou sua conversão em modelo compensatório, permanece compatível com a jurisprudência e com os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar.



Em síntese, a evolução da jurisprudência e da doutrina aponta para uma compreensão mais madura e equitativa do tema. A temporalidade reforça o princípio da autorresponsabilidade, enquanto a proteção compensatória preserva a justiça material em situações de vulnerabilidade real. O equilíbrio entre ambos, orientado pela boa‑fé objetiva e pela coerência das condutas, permite ao direito de família contemporâneo harmonizar autonomia e solidariedade, promovendo justiça, equilíbrio e dignidade na dissolução das relações conjugais.



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Equilíbrio é essencial na ação de alimentos entre ex-cônjuges
Rannyelly Alencar Paiva November 2, 2025
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