STF suspende análise de acesso da polícia a dados telefônicos sem autorização judicial

O Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada na última sexta-feira, 19 de setembro, decidiu suspender a análise que estava sendo conduzida sobre a possibilidade de delegados de polícia requisitarem dados de comunicações telefônicas sem a necessidade de autorização judicial. O ministro Gilmar Mendes, responsável pelo pedido de vista, retomou a discussão iniciada em abril do mesmo ano, quando o Plenário do STF começou a julgar a questão. A matéria tem repercussão significativa no âmbito das relações entre o Poder Público, o poder de investigação e a proteção do sigilo das comunicações, bem como na aplicação da Lei de Segurança e de Combate a Crimes de Tráfico de Drogas, Lei 12.830/2013.



A ação foi proposta pela Associação Nacional das Operadoras Celulares, Acel, que questiona o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 12.830/2013. O texto em questão atribui ao delegado de polícia a prerrogativa de requisitar “perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos” durante investigações criminais. A Acel sustenta que tal disposição permite a quebra de sigilo de qualquer dado, informação ou documento relativo a comunicações telefônicas sem a exigência de autorização judicial, o que, segundo a entidade, violaria o direito à privacidade e à intimidade, além de infringir o sigilo das comunicações.



As operadoras de telefonia móvel afirmam que, desde a entrada em vigor da lei, receberam um volume elevado de solicitações desse tipo. Quando recusam atender às intimações, as empresas podem ser responsabilizadas por crime de desobediência. O debate não se refere à interceptação em tempo real, prática já proibida sem autorização judicial, mas à entrega de informações, dados ou documentos que já estejam registrados e armazenados.



Do ponto de vista do relator, o ministro Dias Toffoli, a norma deve restringir os pedidos de quebra de sigilo sem autorização judicial apenas a dados cadastrais. Segundo ele, o poder de requisição previsto na lei não dispensa a necessidade de autorização judicial nas hipóteses garantidas pela Constituição e pela legislação. Assim, os delegados podem solicitar às concessionárias de telefonia apenas dados como nome completo, filiação e endereço do titular da linha. Para outras medidas, como interceptações de voz, interceptações telemáticas, extratos de chamadas, localização de terminais em tempo real, extratos de antena celular, extratos de mensagens de texto, serviços de agenda virtual, registros de conexão à internet, conteúdos de comunicações privadas armazenadas, dados cadastrais de e-mail, dados de usuários de protocolos de internet em determinada data e hora, é exigida a autorização judicial.



Toffoli também citou exceções previstas no Código de Processo Penal desde 2016, que permitem requisição sem autorização judicial em casos de sequestro, cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, extorsão mediante restrição da liberdade, extorsão mediante sequestro e envio ilegal de menor ao exterior. No entanto, essas exceções se aplicam apenas à localização de terminal ou Imei em tempo real e extratos de antena celular. O ministro destacou que delegados não podem ter acesso irrestrito a qualquer espécie de dados, sob pena de se conceder acesso indiscriminado a informações sigilosas ou a dados que, mesmo não sendo sigilosos, devam gozar de proteção jurídica especial.



O voto de Toffoli baseou-se em jurisprudência do STF que já condiciona a obtenção de boa parte desses dados a uma ordem judicial específica. Ele também ressaltou que, desde a Emenda Constitucional 115/2022, a proteção dos dados pessoais é considerada um direito fundamental autônomo. Além disso, o ministro estendeu a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas aos extratos de mensagens de texto e serviços de agenda virtual, argumentando que a Constituição de 1988 estabeleceu a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telefônicas e do fluxo de dados informáticos e telemáticos, e que isso deve abranger também os meios tecnológicos similares que surgiram posteriormente.



Para o relator, a decisão também se aplica às requisições feitas pelo Ministério Público, pois a atividade de investigação criminal não é exclusiva da polícia. Em síntese, Toffoli conclui que a requisição de dados cadastrais básicos pode ser feita sem autorização judicial, enquanto qualquer outra informação que possa revelar padrões de comunicação ou localização deve passar por um processo judicial.



No entanto, o ministro Cristiano Zanin, que também votou no caso, concordou com a limitação ao acesso direto a dados cadastrais básicos, mas propôs uma tese alternativa. Ele argumenta que a melhor solução seria limitar o poder de requisição a dados, informações e documentos que representem uma intervenção de baixa intensidade na privacidade das pessoas. De acordo com Zanin, cláusulas gerais de autorização, como a da lei de 2013, não são suficientes para legitimar intervenções de média ou grave intensidade no direito fundamental à autodeterminação informacional, mas permitem intervenções de baixa intensidade que atingem o âmbito mais superficial da esfera do direito.



Na visão do ministro, portanto, não é possível requisitar, sem ordem judicial, o acesso a extratos de chamadas, registros telefônicos ou extratos de mensagens, que contêm informações como destinatário, data, horário, duração das chamadas e demais dados que, embora não revelem o conteúdo das ligações ou mensagens, permitem traçar perfis comportamentais, identificar redes de contato físico e rotinas diárias. Dados de localização do usuário também são excluídos do poder de requisição, pois representam intervenção intermediária ou grave no direito à privacidade do cidadão.



O ministro Zanin observou que, embora tais dados não revelem o conteúdo das ligações ou mensagens, eles permitem traçar perfis comportamentais e identificar redes de contato. Ele ressaltou que a intervenção no direito à privacidade é considerada de baixa intensidade quando se trata de dados cadastrais básicos, pois esses dados não revelam hábitos, preferências, origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, saúde ou outras informações sensíveis. Assim, a intervenção nesses dados é vista como menos intrusiva.



Em conclusão, ambos os votos concordam que a requisição de dados de comunicações telefônicas sem autorização judicial deve ser limitada a dados cadastrais básicos, enquanto qualquer outra informação que possa revelar padrões de comunicação, localização ou conteúdo de mensagens requer autorização judicial. A decisão, se confirmada, terá impacto direto na prática de investigação criminal no Brasil, exigindo que delegados de polícia e Ministério Público busquem a autorização judicial antes de solicitar dados que ultrapassem os limites de baixa intensidade.



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STF suspende análise de acesso da polícia a dados telefônicos sem autorização judicial
Rannyelly Alencar Paiva September 22, 2025
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