O Projeto de Lei da Dosimetria, que foi apresentado no Congresso com a intenção de alterar o Código Penal, revela, em sua essência, um desvio de finalidade que transforma um instrumento legislativo em um mecanismo de privilégio político. A proposta, ao incluir o artigo 359-M-A, pretende impor aos juízes uma interpretação única dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, afastando a possibilidade de aplicação de regras gerais de concurso de crimes. Esse movimento caracteriza uma tentativa de substituir o juízo técnico dos tribunais por comandos legislativos, o que viola a separação e independência dos poderes prevista na Constituição.
O contexto político que permeou a elaboração do PL evidencia que ele foi concebido como uma resposta direta às condenações decorrentes dos atos de 8 de janeiro, sobretudo em relação à situação jurídica do ex‑presidente. Declarações de autoridades como o presidente da Câmara e o relator do projeto confirmam que a norma foi desenhada para beneficiar indivíduos já condenados, oferecendo-lhes uma revisão de sentenças transitadas em julgado. Assim, a lei deixa de ser um instrumento de reforma penal e passa a funcionar como um ato administrativo direcionado a pessoas específicas.
Do ponto de vista constitucional, a lei se mostra inconstitucional por dois motivos. Primeiramente, há o desvio de poder: o Legislativo, que deve criar normas gerais, utilizou sua competência para proteger indivíduos condenados, revertendo decisões judiciais já firmes. Em segundo lugar, há a violação do princípio da separação dos poderes, já que o PL tenta impor ao Judiciário como deve interpretar e aplicar a lei em processos concretos, configurando uma usurpação de competência judicial.
Essa manipulação da legalidade não apenas afronta os princípios constitucionais, mas também representa um esforço para reabilitar, pela via legislativa, o que foi rejeitado pela democracia, pelas ruas e pelos tribunais. A proposta, portanto, não deve ser vista como um ajuste técnico, mas como um engodo normativo que tenta dar continuidade a um golpe que não conseguiu materializar na prática.
Para o escritório Calaça & Paiva Advogados Associados, a defesa da ordem jurídica exige a recusa de tais tentativas de subverter o Estado de Direito. É fundamental que as instituições e a sociedade civil se posicionem contra essa proposta, garantindo que o golpe não alcance, por meio da letra da lei, o que não conseguiu conquistar pela força.
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