A ação rescisória, apesar de ser um mecanismo previsto no Código de Processo Civil para desconstituir decisões que já transitam em julgado, não pode ser empregada como instrumento de uniformização de jurisprudência. Essa posição foi firmada pela ministra Regina Helena Costa, relatora do Tema 1.299 dos recursos repetitivos na 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. O entendimento traz à tona que a rescisória não deve ser utilizada para adaptar decisões definitivas a entendimentos posteriores, ainda que estes tenham sido consolidados por meio de tese vinculante.
O debate surgiu no contexto de uma demanda específica que questionava a compensação do reajuste de 28,86% sobre a Retribuição Adicional Variável dos servidores, quando aliada ao reposicionamento funcional previsto na Lei 8.627/1993. Em 2013, a 1ª Seção, por meio de julgamento repetitivo, estabeleceu que o índice de 28,86% incide normalmente sobre a RAV. Decisões que transitaram em julgado antes desta tese buscavam a rescisória para reconhecer a possibilidade de compensar o reajuste com o reposicionamento funcional.
A ministra Regina Helena Costa destacou que a aplicação da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, que impede a ação rescisória quando a decisão rescindenda se baseou em interpretação controvertida de disposição literal de lei, permanece válida. Assim, a rescisória não pode ser usada para impor um posicionamento posterior à formação da coisa julgada, mesmo que esse posicionamento tenha sido consolidado em julgamento repetitivo.
O tema tem gerado divergência entre as turmas do STJ. A 2ª Turma, por exemplo, mantinha a posição de que a interpretação divergente do reajuste sobre a RAV não poderia ser alterada por meio de rescisória após a pacificação jurisprudencial. Em contraste, a 1ª Turma, em decisões recentes, concluiu que, se a jurisprudência evoluiu para a pacificação depois do julgamento, a rescisória pode ser provida, afastando a Súmula 343 do STF. Essa mudança de postura tem ganho força no cenário jurídico brasileiro, sobretudo quando a rescisória é usada para adequar julgados anteriores a orientações mais recentes.
Em fevereiro de 2023, a 1ª Seção do STJ afastou a Súmula 343 do STF ao reconhecer a possibilidade de rescisória para adequar o resultado de um processo tributário a uma nova orientação formada no Judiciário, em um caso de ação coletiva sobre cobrança de IPI. Em setembro de 2024, a mesma Seção voltou a afastar a súmula ao decidir que a Fazenda pode usar a rescisória para adequar sentenças anteriores à modulação da “tese do século” que restringe o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins. Tais decisões foram citadas em petições ao STJ, gerando críticas e um alerta do ministro Gurgel de Faria em junho de 2023.
No julgamento desta quarta-feira, a ministra Regina Helena reafirmou que o STJ não abandonou a Súmula 343, mas que sua aplicação se restringe ao caso concreto do reajuste de 28,86% sobre a RAV. A tese sugerida pela ministra limita o alcance do óbice da súmula às ações rescisórias que visam desconstituir títulos judiciais transitados em julgado antes do julgamento do Tema Repetitivo 548, em 11 de setembro de 2013, nos quais se reconheceu a possibilidade de compensar o percentual com reposicionamentos funcionais da carreira de auditor fiscal da Receita Federal, conforme Lei 8.627/1993.
Em síntese, a ação rescisória permanece um instrumento restrito, não podendo ser utilizada para retroagir decisões definitivas a fim de impor entendimentos posteriores. A jurisprudência do STJ demonstra que a aplicação da Súmula 343 do STF continua sendo relevante, salvo em situações excepcionais que envolvam a pacificação de entendimento em áreas tributárias ou de reajuste salarial. A cautela na utilização da rescisória reflete o compromisso com a segurança jurídica e a estabilidade das decisões judiciais.
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