O Conselho Nacional de Justiça, em sua 17ª Sessão Virtual de 2025, aprovou uma recomendação que traz um novo panorama para a atuação dos oficiais de Justiça no cenário brasileiro. A proposta, fruto de uma consulta realizada por associações e entidades de representação da categoria, determina que os oficiais de Justiça possam desempenhar o papel de incentivadores da conciliação enquanto cumprem mandados judiciais. A decisão, que foi votada por maioria, traz uma série de diretrizes que deverão ser regulamentadas pelos tribunais, com o objetivo de ampliar as oportunidades de autocomposição entre as partes litigantes.
O que significa ser um “incentivador da conciliação” no contexto desta recomendação? Segundo o documento, o oficial de Justiça terá a atribuição de informar as partes sobre a possibilidade de acordo, bem como registrar propostas de autocomposição que forem apresentadas por qualquer uma das partes no processo. Assim, enquanto permanece fiel às suas funções de execução de mandados, o profissional poderá facilitar o diálogo entre as partes, apontando caminhos que levem a uma solução consensual, sem, contudo, se envolver em atividades de mediação ou negociação ativa.
Esta distinção é crucial. A recomendação deixa claro que os oficiais de Justiça não podem atuar como conciliadores ou mediadores no sentido pleno da palavra. Isso significa que eles não podem conduzir reuniões presenciais ou virtuais com o objetivo de mediar o conflito, nem realizar atos próprios de mediação ou negociação. A razão para tal limitação está no risco de comprometer a imparcialidade e a confidencialidade do procedimento, conforme aponta o parecer técnico do Comitê Gestor de Conciliação. O marco legislativo atual, portanto, não autoriza que servidores do Judiciário desempenhem funções de conciliação que exijam atuação ativa no conflito.
Em contraste, a função de incentivador proposta pela recomendação é de natureza mais passiva. O oficial de Justiça pode, por exemplo, informar a parte que recebeu a intimação de cumprimento de mandado que existe a possibilidade de resolver a controvérsia por meio de acordo. Caso a parte queira propor uma solução, o oficial pode registrar a proposta nos autos, garantindo que a documentação esteja corretamente documentada e que o processo possa prosseguir com essa nova possibilidade de resolução. Essa prática, se bem implementada, pode acelerar a resolução de litígios, reduzir a carga de trabalho dos tribunais e oferecer às partes uma alternativa menos onerosa e mais rápida do que o processo judicial tradicional.
Para que a recomendação seja efetivada, os tribunais deverão criar procedimentos claros e específicos. Isso inclui a elaboração de instruções sobre como os oficiais de Justiça devem informar as partes, quais documentos devem ser exigidos para a proposta de autocomposição, e como a proposta deve ser registrada nos autos. Também é fundamental que haja um registro de cada ação realizada, para garantir a transparência e a rastreabilidade do processo. Os tribunais, portanto, terão a responsabilidade de elaborar normas internas que orientem os oficiais de Justiça sobre a extensão e os limites de sua atuação como incentivadores.
O voto da relatora, a conselheira Mônica Nobre, reforçou a necessidade de preservar a imparcialidade do Judiciário. Ela argumentou que a atuação direta dos oficiais de Justiça em funções de conciliação poderia abrir brechas para conflitos de interesse, especialmente em processos de grande complexidade ou de alto valor. Assim, ao limitar a atuação dos oficiais apenas à fase de informação e registro de propostas, o CNJ busca equilibrar a eficiência na resolução de conflitos com a manutenção de princípios fundamentais do sistema judiciário.
Para os advogados, a recomendação traz novas oportunidades de estratégia. Ao saber que o oficial de Justiça pode registrar propostas de autocomposição, os advogados podem orientar seus clientes a buscar soluções consensuais antes que o processo avance para as fases mais avançadas, onde a possibilidade de acordo se torna mais difícil. Além disso, a possibilidade de registrar uma proposta de acordo diretamente nos autos, sem a necessidade de solicitar a intervenção de um conciliador, pode reduzir custos e acelerar a conclusão do litígio.
No entanto, é importante destacar que a recomendação não elimina a necessidade de um profissional de conciliação em muitos casos. Em processos que envolvem disputas complexas, questões de confidencialidade ou onde as partes necessitam de uma mediação mais profunda, a intervenção de um conciliador especializado continua sendo a melhor alternativa. O papel do oficial de Justiça, nesse contexto, permanece de suporte, informando e registrando, mas não substituindo o mediador profissional.
A decisão do CNJ também abre espaço para discussões sobre a formação e capacitação dos oficiais de Justiça. Se eles vão desempenhar um papel mais ativo na promoção da autocomposição, será necessário que recebam treinamento específico sobre técnicas de comunicação, gestão de conflitos e procedimentos de registro de propostas. A capacitação pode ser um fator decisivo para garantir que a recomendação seja implementada de forma eficaz e sem comprometer a qualidade do serviço judicial.
Para além da formação, a recomendação pode influenciar a estrutura organizacional dos tribunais. A criação de procedimentos claros e a definição de responsabilidades podem exigir ajustes nos fluxos de trabalho existentes, especialmente nos departamentos responsáveis pela execução de mandados. Os tribunais precisarão revisar seus protocolos internos, garantindo que os oficiais de Justiça tenham acesso às informações necessárias para informar as partes e registrar propostas de autocomposição de forma eficiente.
Em termos de impacto, a recomendação pode trazer benefícios significativos para o sistema judiciário. Ao incentivar a autocomposição, os tribunais podem reduzir a carga de processos, liberar recursos e acelerar a resolução de conflitos. Para as partes, a possibilidade de acordo pode significar menos custos, menos tempo e menos desgaste emocional. Para os oficiais de Justiça, a nova atribuição pode representar uma evolução em sua função tradicional, ampliando seu papel no processo judicial.
No entanto, a recomendação também traz desafios. A clareza na regulamentação será fundamental para evitar ambiguidades que possam gerar conflitos de interpretação. A necessidade de manter a imparcialidade, a confidencialidade e a eficiência exigirá um equilíbrio delicado entre a atuação dos oficiais e as normas estabelecidas. O CNJ e os tribunais terão que monitorar de perto a implementação da recomendação, ajustando procedimentos conforme necessário para garantir que os objetivos sejam alcançados sem comprometer a qualidade e a integridade do sistema judiciário.
Em síntese, a recomendação do CNJ representa um passo importante em direção à modernização e à eficiência do Judiciário brasileiro. Ao permitir que os oficiais de Justiça atuem como incentivadores da conciliação, o Conselho abre novas possibilidades de resolução de conflitos, mantendo, ao mesmo tempo, a imparcialidade e a confidencialidade que são pilares do sistema judicial. A implementação cuidadosa, a capacitação adequada e a regulamentação clara serão fatores determinantes para o sucesso desta iniciativa. #calacaepaiva #conciliacao #justica #direito