Gestão algorítmica na avaliação de desempenho e a dignidade do trabalhador

O tema que tem ganhado destaque no universo corporativo e jurídico nos últimos anos é o uso da inteligência artificial (IA) na gestão de pessoas. A proposta de automatizar processos de recrutamento, avaliação de desempenho e monitoramento de metas pode trazer ganhos de eficiência e rapidez, mas também abre brechas para impactos negativos na saúde mental dos trabalhadores, na dignidade humana e no próprio pacto contratual. O presente texto analisa, de forma crítica e resumida, os principais pontos que envolvem essa discussão, destacando os riscos, os fundamentos legais e as possíveis implicações para as empresas brasileiras.



1. A promessa da IA na gestão de pessoas



Os gestores de recursos humanos, diante de exigências internas e da competição de mercado, têm buscado soluções cada vez mais criativas para conduzir o comportamento dos colaboradores. A IA surge como uma ferramenta capaz de “instruir” critérios de avaliação de desempenho, ajustar metas em tempo real, monitorar resultados e fornecer relatórios detalhados aos tomadores de decisão. A ideia de criar um ambiente de trabalho seguro, saudável e orientado a resultados parece, à primeira vista, alinhada aos princípios de gestão moderna.



Para a implementação desse modelo, as empresas costumam adotar programas de saúde mental, clima organizacional ético, benefícios flexíveis, como home‑office, remuneração por desempenho e participação nos resultados. A expectativa é que, ao confiar na liderança de pessoas íntegras, todos os colaboradores se sintam motivados e beneficiados de forma harmônica.



2. Riscos psicológicos e legais associados à gamificação da relação de trabalho



Apesar das vantagens aparentes, a adoção de IA generativa, autônoma e controladora pode gerar sérios problemas em dois aspectos fundamentais: (i) a integridade psíquica dos trabalhadores e (ii) o cumprimento do contrato de trabalho, que se baseia na dignidade humana.



2.1. Integridade psíquica e burnout



A IA, ao estabelecer rankings de desempenho, metas rígidas e indicadores de exclusão de bônus, cria um ambiente de competição desordenada. Tal cenário pode levar ao burnout, já reconhecido como doença ocupacional pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A exposição a avaliações numéricas constantes, à pressão por resultados e à comparação entre pares pode gerar ansiedade, estresse crônico e, em última instância, afastamento do trabalho. O empregador, nesse contexto, pode ser responsabilizado por danos morais e, inclusive, ter que reconhecer a política de avaliação como risco ocupacional, conforme a NR1.



2.2. Desumanização e coisificação do trabalhador



O modelo algorítmico tende a reduzir o trabalhador a um número, um “autômato” que cumpre regras predeterminadas. Essa abordagem pode desvalorizar a capacidade de reflexão e a autonomia do colaborador, transformando o contrato de trabalho em uma relação de mera execução de tarefas. A dignidade humana, princípio essencial do direito do trabalho, pode ser comprometida quando o trabalhador é visto apenas como um elemento de produtividade a ser mensurado e ajustado.



3. A proteção da saúde mental como pilar do direito do trabalho



A história do direito do trabalho mostra que a proteção da saúde sempre esteve no centro das discussões, desde a revolução industrial até os dias atuais. O avanço da governança algorítmica traz uma nova dinâmica, onde os recursos intelectuais – a mente e o bem‑estar dos trabalhadores – passam a ser o foco de proteção. Assim, a legislação e a jurisprudência precisam acompanhar a realidade tecnológica, garantindo que a aplicação de IA não viole direitos fundamentais.



4. O contrato de trabalho e o princípio da dignidade humana



O contrato de trabalho, ao ser regido por regras claras e pela proteção da dignidade humana, não pode ser reduzido a um conjunto de métricas numéricas. A gestão baseada exclusivamente em modelos algorítmicos pode coisificar a relação, afastando o trabalhador da sua essência humana e da sua capacidade de contribuição criativa. O direito do trabalho, portanto, deve preservar a individualidade e a autonomia do colaborador, mesmo diante de inovações tecnológicas.



5. Conclusões e recomendações



Para que a IA seja uma aliada e não uma ameaça à saúde e à dignidade dos trabalhadores, as empresas devem:




  • Adotar políticas de avaliação que considerem não apenas resultados quantitativos, mas também aspectos qualitativos e de desenvolvimento pessoal.

  • Garantir transparência nos critérios de avaliação, permitindo que os colaboradores compreendam como suas métricas são calculadas.

  • Implementar mecanismos de feedback contínuo, evitando a sensação de “ranking” e competitividade excessiva.

  • Estabelecer protocolos de apoio psicológico e programas de prevenção ao burnout, incluindo a possibilidade de pausas e ajustes de metas.

  • Revisar o contrato de trabalho para incluir cláusulas que protejam a dignidade humana e assegurem que a tecnologia não se torne um fator de desumanização.

  • Buscar a conformidade com as normas vigentes, como a NR1, e estar atento às decisões judiciais que tratam de direitos relacionados à saúde mental e à proteção do trabalhador.



Em síntese, a inteligência artificial pode representar uma grande oportunidade para a gestão de pessoas, mas seu uso deve ser pautado pelo respeito à dignidade humana, à saúde mental e aos princípios constitucionais que regem o contrato de trabalho. A adoção de práticas éticas e responsáveis garantirá não apenas a eficiência operacional, mas também o bem‑estar dos colaboradores e a sustentabilidade das relações laborais.



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Gestão algorítmica na avaliação de desempenho e a dignidade do trabalhador
Rannyelly Alencar Paiva 19 de setembro de 2025
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