A Emenda Constitucional nº 132, aprovada em 2023, efetua uma mudança significativa no panorama tributário nacional ao privilegiar a competência legislativa exclusiva da União, especialmente no que diz respeito ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Este imposto, nascido do desejo de simplificar e unificar a tributação sobre o consumo, representa uma solução potencial para a complexidade do sistema atual, marcado por uma multiplicidade de tributos que muitas vezes se sobrepõem e geram conflitos de competência.
### A Competência Tributária na EC nº 132/2023
Historicamente, a competência tributária no Brasil é compartilhada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Cada ente federativo tem a capacidade de criar impostos, taxas e contribuições, respeitando os limites estabelecidos pela Constituição. No entanto, a nova emenda altera essa dinâmica ao conferir à União a responsabilidade exclusiva por instituir o IBS, enquanto os estados e municípios ficam restritos à função de fixar as alíquotas.
Essa mudança representa um movimento em direção à centralização da arrecadação tributária, algo que gera um debate acalorado acerca da autonomia fiscal dos entes federativos. Em tese, a centralização visa eliminar a guerra fiscal que tem marcado a relação entre os estados, provocando renúncias fiscais e distorções na competição econômica. Ao atribuir à União a competência exclusiva para criar o IBS, busca-se um sistema mais equitativo e menos fragmentado, que potencialmente pode favorecer um ambiente de negócios mais estável e previsível.
### A Criação do IBS e seu Impacto
A criação do IBS se insere em um contexto de necessidade de modernização do sistema tributário. O imposto unificado sobre o consumo é uma promessa de simplificação, já que o modelo atual é composto por diversos tributos estaduais e municipais, como ICMS, ISS, PIS e Cofins. O IBS pretende substituir todos esses impostos, embora a transição para o novo modelo dependa do amplo entendimento e aceitação por parte dos estados e municípios.
Nesse novo contexto, o Comitê Gestor do IBS assume um papel central no processo de arrecadação e distribuição do imposto. O Comitê é concebido como um órgão da União que exerce funções executivas e regulatórias, e sua atuação se estenderá à resolução de conflitos, regulamentação da matéria e coordenação das alíquotas estabelecidas pelos estados e municípios.
A distribuição do IBS entre os diferentes níveis de governo, por sua vez, requer uma análise cuidadosa. A previsão de que os estados e municípios terão apenas a competência para fixar alíquota, sem poder sobre a criação do imposto, suscita questões sobre a viabilidade econômica e financeira desses entes. É papel preponderante do Comitê Gestor garantir que a partilha dos recursos ocorra de maneira justa e equilibrada, respeitando as realidades e necessidades locais, fundamentais para o funcionamento eficiente da federação.
### O Papel do Comitê Gestor
O Comitê Gestor, uma das inovações trazidas pelo novo modelo, merece um exame detalhado. Composto por representantes da União, dos estados e dos municípios, o Comitê é chamado a desempenhar funções estruturantes na gestão do IBS. Essa estrutura colegiada tem a missão de regulamentar aspectos relacionados à arrecadação e à distribuição do imposto, além de atuar na resolução de controvérsias que possam surgir em decorrência da aplicação da nova legislação.
A abordagem centralizadora do Comitê Gestor pode trazer eficiência na gestão tributária, mas também levanta preocupações quanto à representatividade de estados e municípios. Entre os desafios que o Comitê enfrentará, destaca-se a necessidade de construir um espaço de diálogo que efetivamente traduza as demandas locais na construção da legislação que regulamentará o imposto.
Além disso, a previsão de que a competência jurisdicional para litígios envolvendo o Comitê Gestor será da Justiça Federal denota uma mudança significativa na forma como as questões tributárias são tratadas no Brasil. A centralização da justiça tributária na esfera federal pode levar a um distanciamento da realidade local, o que é particularmente importante considerando a diversidade econômica e social do país. Se os estados móveis buscarem questionar aspectos do novo sistema, terão que enfrentar um processo que pode ser burocrático e lento, levando a potencialidades de injustiças locais.
### A Sustentabilidade da Federação
Um dos principais argumentos em defesa da reforma tributária reside na busca por um sistema que promova a sustentabilidade da federação. Contudo, essa busca precisa necessariamente considerar o equilíbrio entre a centralização da arrecadação e a autonomia dos entes federativos. A imposição de uma gestão tributária centralizada pode, em última análise, comprometer a capacidade dos estados e municípios de atender a demandas locais e de promover políticas públicas efetivas, elementos essenciais para garantir a coesão federativa.
Um aspecto crucial que deve ser considerado é o impacto que a reforma terá nas arrecadações estaduais e municipais. Em um cenário no qual a União detém a totalidade da competência para instituir o IBS, é fundamental que esses entes vejam garantidas suas participações na arrecadação, de modo que possam continuar a financiar serviços públicos essenciais como saúde, educação e segurança. Sem um fluxo de recursos consistente, a autonomia dos estados e municípios pode ser gravemente comprometida.
Um dos desafios que emergem é a definição clara de como será feita a distribuição do imposto. As regras de partilha devem ser justas e transparentes, garantindo que localidades com base econômica menos robusta não sejam prejudicadas. O Comitê Gestor deverá desenvolver critérios objetivos que considerem as particularidades de cada região para que a divisão dos recursos ocorra de maneira equitativa.
### Considerações Finais
A reforma tributária trazida pela EC nº 132/2023 representa uma tentativa de não apenas simplificar o sistema tributário brasileiro, mas também de promover uma reestruturação nas competências legislativas entre os entes federativos. O avanço em direção à centralização da arrecadação do IBS sob a supervisão do Comitê Gestor se apresenta como um mecanismo que promete, em tese, uma distribuição mais racional e equilibrada dos recursos.
No entanto, o sucesso dessa reforma depende, em última análise, da capacidade do Comitê Gestor em equilibrar a necessidade de eficiência na arrecadação com a preservação da autonomia dos estados e municípios. É essencial que o diálogo entre os diversos níveis de governo prevaleça, de modo que a reforma construa um sistema tributário que não apenas simplifique a legislação, mas que também respeite a diversidade e as características próprias de cada ente da federação. Assim, o equilíbrio entre a centralização da arrecadação e a autonomia local se torna imperativo para garantir a sustentabilidade de um sistema que sirva a todos os brasileiros de forma justa e equitativa.
As próximas etapas na implementação da reforma e a regulamentação do IBS serão cruciais para observar como esses princípios se concretizarão na prática, definindo não apenas o futuro da tributação no Brasil, mas também o futuro da própria federação. É imprescindível que essas mudanças sejam acompanhadas de perto por todos os stakeholders, garantindo que a reforma tributária possa cumprir seus objetivos sem inviabilizar as importantes funções que estados e municípios desempenham na vida e no bem-estar da população. A luta por uma tributação mais justa e eficiente, tema central da atuação do escritório Calaça & Paiva Advogados Associados, continua sendo um desafio que requer a colaboração de todos os setores da sociedade.
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