A ampliação do direito à licença-maternidade

O direito à licença maternidade no Brasil possui uma trajetória marcada por avanços graduais que refletiram transformações sociais, econômicas e jurídicas ao longo do século XX e início do XXI. A primeira proteção legal surgiu com o Decreto Federal 16.300, de 21 de dezembro de 1923, que concedia às trabalhadoras de indústria e comércio um repouso de trinta dias antes e depois do parto. Embora simples, essa norma já reconhecesse a necessidade de cuidado e recuperação da gestante.



Em 1934, a Constituição da República, embora não utilizasse o termo “licença maternidade”, estabelecia em seu artigo 121, § 1º, alínea h, que a legislação deveria assegurar assistência médica e sanitária à gestante, garantindo‑a descanso antes e depois do parto sem prejuízo do salário e do emprego. Esse texto constitucional foi um marco que ampliou a proteção além do âmbito de um decreto, conferindo-lhe caráter de direito fundamental.



A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), publicada em 1943, introduziu o artigo 392, proibindo o trabalho de mulheres grávidas em seis semanas antes e seis semanas depois do parto. Em 1967, o Decreto‑lei 229 alterou o prazo, estabelecendo quatro semanas antes e oito semanas depois. Até então, a remuneração durante o afastamento era de responsabilidade direta do empregador, conforme o artigo 393 da CLT.



Um passo decisivo ocorreu em 1974, com a Lei 6.136, que incluiu o salário maternidade entre as prestações devidas pela Previdência Social às seguradas empregadas. Essa medida retirou a oneração financeira do empregador, transformando o custo da proteção à maternidade em uma responsabilidade social compartilhada pelos contribuintes.



A Constituição de 1988 consolidou o direito à licença gestante, estabelecendo 120 dias de afastamento remunerado, sem prejuízo do emprego e do salário, nos termos do artigo 7º, inciso XVIII. O artigo 201, inciso II, reafirmou a obrigação da Previdência Social em proteger a maternidade e a gestante. Assim, a licença maternidade passou a ser considerada um direito social e previdenciário fundamental.



Em 2002, a Lei 10.421 ampliou o alcance da licença, incluindo mães adotantes ou que obtivessem a guarda judicial para fins de adoção, por meio do artigo 392‑A da CLT. Esse avanço reconheceu a diversidade de formas de constituição familiar e a necessidade de proteção igualitária.



O ano de 2008 trouxe a Lei 11.770, que instituiu o Programa Empresa Cidadã. A iniciativa permitiu que as empresas estendessem a licença maternidade para 180 dias em troca de benefícios fiscais. Esse mecanismo demonstrou que a extensão do afastamento remunerado pode ser conciliada com incentivos econômicos, beneficiando a maternidade e a produtividade empresarial.



Atualmente, a licença maternidade é entendida como um direito que garante o afastamento remunerado da trabalhadora em razão do nascimento, adoção ou guarda judicial de um filho. Seu objetivo principal é a recuperação física e psíquica da mulher, os cuidados iniciais com o recém‑nascido e o fortalecimento do vínculo afetivo entre mãe e criança.



Em contraste, a licença paternidade foi instituída apenas com a Constituição de 1988, no artigo 7º, inciso XIX. Antes disso, a CLT previa apenas a falta justificada de um dia na semana do nascimento para o empregado registrar o filho. Tal dispensa era insuficiente para garantir apoio ao companheiro e para fomentar a corresponsabilidade familiar.



Essa disparidade temporal entre a licença maternidade (120 ou 180 dias) e a licença paternidade (cinco dias, ou vinte no âmbito da Empresa Cidadã) reflete uma visão antiquada de divisão de papéis, sobrecarregando a mulher com a responsabilidade exclusiva de cuidados familiares. A evolução legislativa aponta para a necessidade de um modelo parental compartilhado, que promova a isonomia material e a corresponsabilidade familiar, além de combater a discriminação no mercado de trabalho.



O marco mais recente é a Lei 15.222, de 29 de setembro de 2025. Ao alterar o artigo 392 da CLT e o artigo 71 da Lei 8.213/91, a nova norma corrige uma injustiça grave: em casos de internação hospitalar da mãe ou do recém‑nascido por período superior a duas semanas, o início da licença maternidade e do respectivo salário será contado a partir da data da alta hospitalar, e não mais a partir do parto. Essa mudança garante que o tempo de recuperação hospitalar não consuma o período de convivência familiar, preservando as finalidades essenciais do instituto.



A lei consolida a interpretação já estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 6.327, que reconheceu que a alta hospitalar deveria ser o marco inicial da licença nos casos de internações prolongadas. Ao conferir força normativa a esse entendimento, a Lei 15.222/2025 reforça os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à criança, ao mesmo tempo em que assegura segurança jurídica aos empregadores e seguradas.



Em síntese, a trajetória da licença maternidade no Brasil demonstra uma evolução constante em direção à proteção integral da família e ao reconhecimento da corresponsabilidade parental. A recente reforma legislativa não apenas corrige lacunas práticas, mas também fortalece o compromisso do Estado em garantir condições adequadas para o cuidado e desenvolvimento das crianças, sem sobrecarregar desproporcionalmente a mãe. A consolidação desse direito, aliada à expansão da licença paternidade e à possibilidade de licença parental compartilhada, representa um passo significativo rumo à igualdade de gênero no ambiente de trabalho e na vida familiar.



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A ampliação do direito à licença-maternidade
Rannyelly Alencar Paiva October 3, 2025
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