O Superior Tribunal de Justiça tem aplicado há quase vinte anos a Súmula 308 de forma ampla, estendendo seu alcance a contratos de alienação fiduciária em garantia. A súmula, originalmente criada para proteger compradores de imóveis de hipotecas de construtoras, foi interpretada de maneira analógica, apesar de a alienação fiduciária possuir regime jurídico distinto, conforme a Lei 9.514/1997. Tal extensão gerou insegurança no mercado de crédito, pois conflita com a natureza da propriedade resolúvel que o credor fiduciário detém.
Em 3 de abril de 2025, a 4ª Turma do STJ, por meio do Recurso Especial nº 2.130.141/RS, firmou entendimento categórico de que a Súmula 308 não se aplica à alienação fiduciária. O acórdão reconheceu que, diferentemente da hipoteca, onde o devedor mantém a titularidade, na alienação fiduciária o bem passa a ser propriedade do credor, restando apenas a posse ao fiduciante. Assim, atos unilaterais do fiduciante, sem a anuência do credor, são inválidos perante este último.
O tribunal rejeitou ainda a equiparação da administradora de consórcios à figura de “agente financeiro” da súmula, argumentando que tal termo está vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação e não pode ser transposto a outras relações fiduciárias. Dessa forma, a decisão reforçou a autonomia normativa da alienação fiduciária, preservando a tipicidade dos direitos reais e a publicidade registral.
A decisão tem efeitos significativos. No campo jurídico, restabelece a estrita observância da Lei 9.514/1997, garantindo que a propriedade resolúvel pertença ao credor fiduciário e que o fiduciante não possa alienar o bem sem sua autorização. Isso assegura a eficácia das garantias registradas, reforçando a confiança dos credores e a previsibilidade das relações contratuais.
No aspecto econômico, a eliminação da aplicação analógica da súmula reduz a insegurança que impactava a concessão de crédito, sobretudo por agentes não bancários. A clareza normativa favorece a estabilidade do mercado imobiliário, reduzindo custos de transação e aumentando a atratividade do modelo fiduciário.
O julgamento também destaca a importância do registro público como instrumento de publicidade, eficácia e oponibilidade. Ao afastar a analogia imprópria, o STJ protege a hierarquia registral, evitando que contratos particulares prevaleçam sobre direitos reais devidamente constituídos.
Em síntese, o acórdão do REsp 2.130.141/RS representa um marco de correção jurisprudencial, restabelecendo a coerência normativa do sistema de garantias imobiliárias e reforçando a segurança jurídica no mercado de crédito.
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