O Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual realizada na última sexta-feira, consolidou a posição de que a recuperação judicial e a falência não se aplicam a empresas estatais. A decisão, que encerrou o julgamento às 23h59, tem repercussão geral, ou seja, a tese será vinculativa para casos semelhantes em todo o país.
O ponto central do debate gira em torno do inciso I do artigo 2º da Lei de Recuperação Judicial e Falências, que exclui do regime tanto empresas públicas quanto sociedades de economia mista, quando o controle estatal é a maioria das ações. A exceção só seria permitida se a empresa fosse criada para fins de prestação de serviços públicos, não para a exploração de atividades econômicas.
O cenário que provocou a discussão foi o pedido de recuperação judicial de uma estatal municipal de obras e urbanização em Montes Claros, Minas Gerais, que enfrentava grave crise financeira. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais rejeitou o pleito, sustentando a aplicação do dispositivo legal. Os desembargadores argumentaram que a extinção ou criação de uma empresa pública requer autorização legal, pois a regra protege o interesse público e se mostra incompatível com o regime jurídico misto das estatais.
Em recurso ao STF, a estatal citou o inciso II do parágrafo 1º do artigo 173 da Constituição, que prevê que empresas públicas estejam sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas. Assim, a defesa alegou que a exclusão da recuperação judicial e da falência seria injusta para empresas que exploram atividades econômicas e que a medida criaria tratamento diferenciado frente à concorrência.
O relator, ministro Flávio Dino, confirmou a regra vigente. Ele argumentou que, segundo doutrina especializada, a aplicação do regime de recuperação judicial às estatais poderia gerar perturbações socioeconômicas graves, pois o Estado teria que lidar com a “falência” de uma entidade que representa interesse público. Dino ressaltou que a falência de uma empresa pública seria equivalente a falência do Estado, um conceito inconcebível.
Para Dino, o Estado é o único legitimado a decidir sobre a retirada de uma estatal do mercado. Isso exigiria uma lei específica, conforme o inciso XIX do artigo 37 da Constituição, que determina que a extinção de uma empresa pública deve ser regulada por norma que detalhe o pagamento aos credores, a liquidação do patrimônio e outras medidas. O exemplo da Rede Ferroviária Federal, extinta em 2007 por meio de lei que estabeleceu todos os trâmites, ilustra o princípio da simetria: nasce por lei, morre por lei.
O voto de Dino foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin e Kassio Nunes Marques. A maioria, portanto, confirmou a impossibilidade de aplicar a recuperação judicial e a falência a estatais, independentemente de seu ramo de atividade.
Este pronunciamento reforça a autonomia estatal na gestão de empresas públicas e sociedades de economia mista, limitando o poder do Judiciário a não interferir em decisões de interesse público que envolvam a continuidade ou extinção dessas entidades.
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