Uma recente decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe importantes repercussões para o mercado imobiliário e a administração de condomínios no Brasil. Por maioria de votos (5 a 4), o colegiado firmou o entendimento de que imóveis alienados fiduciariamente — ou seja, utilizados como garantia em contratos de financiamento — podem ser penhorados para satisfazer dívidas condominiais.
A controvérsia girava em torno da responsabilidade pelas despesas de condomínio nos casos em que o imóvel financiado encontra-se inadimplente. A tese vencedora reconheceu que o credor fiduciário, ao deter a propriedade resolúvel do bem, também responde pelas obrigações condominiais não adimplidas pelo devedor fiduciante.
O que está em jogo?
A alienação fiduciária em garantia é uma prática amplamente adotada no mercado imobiliário brasileiro, permitindo que o comprador financie um imóvel enquanto a propriedade formal do bem permanece com o credor até a quitação integral do débito. Apesar de o possuidor direto do imóvel ser o devedor fiduciante, o entendimento firmado pelo STJ reconhece que a titularidade jurídica — ainda que resolúvel — impõe ao credor fiduciário a condição de condômino.
Dessa forma, nos casos em que o devedor não cumpre com suas obrigações condominiais, a instituição financeira que figura como proprietária fiduciária passa a responder subsidiariamente, podendo inclusive ter o imóvel penhorado para quitação dos débitos.
Voto do relator: responsabilidade do credor fiduciário
O ministro Raul Araújo, relator de um dos recursos analisados, destacou que ao assumir a titularidade da propriedade resolúvel, a instituição financeira integra o rol de condôminos e, portanto, assume também os deveres correlatos. Para ele, essa responsabilização visa proteger a coletividade condominial e garantir a saúde financeira dos empreendimentos, evitando que a inadimplência de um impacte os demais moradores.
O relator ainda ressaltou que a instituição credora possui meios contratuais para exigir do devedor o cumprimento das obrigações, inclusive prevendo cláusulas de vencimento antecipado ou rescisão contratual por inadimplemento. Assim, não seria razoável isentar o credor de responsabilidade, sob pena de estimular o descumprimento das obrigações pelo devedor.
“O credor fiduciário é titular da propriedade resolúvel e, portanto, também é condômino. Não é justo que o ônus da inadimplência recaia sobre os demais moradores do condomínio”, afirmou o ministro em seu voto.
Divergência vencida: impenhorabilidade da garantia fiduciária
A corrente vencida, liderada pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, defendeu a tese da impenhorabilidade do imóvel fiduciariamente alienado. Para ele, as despesas condominiais devem ser cobradas do devedor fiduciante, titular apenas de um direito expectativo de aquisição. O ministro argumentou que o bem, por estar vinculado como garantia de dívida, não poderia ser atingido por penhora, sob pena de comprometer a segurança jurídica dos contratos de financiamento.
Apesar da argumentação, o entendimento não prevaleceu, sendo acompanhado apenas por parte dos ministros.
Reflexos práticos da decisão
A decisão do STJ estabelece um importante precedente. Na prática, ela permite que condomínios acionem judicialmente tanto o devedor fiduciante quanto o credor fiduciário, inclusive com possibilidade de penhora do próprio imóvel, para garantir a satisfação dos débitos condominiais.
Para os condomínios, isso representa maior proteção e segurança no recebimento das taxas essenciais à manutenção do empreendimento. Já para as instituições financeiras, o julgamento alerta para a necessidade de reforçar cláusulas contratuais que coíbam a inadimplência e resguardem seus interesses patrimoniais.
Conclusão
O entendimento firmado pelo STJ busca reequilibrar as relações jurídicas entre condôminos, devedores e credores. Ao reconhecer que a responsabilidade pelas obrigações condominiais acompanha a titularidade jurídica do imóvel — ainda que fiduciária —, a Corte reforça o princípio da função social da propriedade e a solidariedade nas relações de vizinhança, pilares do direito civil contemporâneo.
Referência: STJ – Recursos Especiais n.º 1.929.926, 2.082.647 e 2.100.103.