Nos últimos dias o Tribunal Superior do Trabalho consolidou um entendimento que pode transformar a forma como as jornadas de trabalho são comprovadas em processos trabalhistas. Em decisões proferidas pelos colegiados da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais e da 5ª Turma, o TST reconheceu a validade da geolocalização como prova digital para aferir horas extras, sem violar direitos fundamentais à privacidade nem garantias previstas na Lei Geral de Proteção de Dados.
O conceito de geolocalização refere‑se à tecnologia que determina a posição geográfica de um indivíduo por meio de GPS, Wi‑Fi ou redes de celular. A sua aplicação já é comum em transportes de entrega, aplicativos de mobilidade e, mais recentemente, no controle de ponto de empresas que dispõem de equipes externas.
Um dos casos analisados envolveu um propagandista que trabalhava para uma empresa farmacêutica. Ele alegava, em ação trabalhista, que sua jornada média ultrapassava 11 horas diárias, acrescidas de duas horas de atividades burocráticas. A empresa monitorava suas visitas em tempo real por meio de tablet que utilizava GPS. A Vara do Trabalho de Santo Ângelo solicitou dados de geolocalização dos telefones pessoais e profissionais do vendedor. O trabalhador contestou a ordem com mandado de segurança, alegando violação de privacidade. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região considerou a ordem desproporcional, pois a jornada poderia ser comprovada por outros meios. O caso foi remetido ao TST.
O relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, destacou que a prova de geolocalização é digital, precisa e válida, sobretudo para trabalhadores que atuam fora do ambiente corporativo. Ele ressaltou que o direito à prova pode ser exercido sem sacrificar a proteção de dados, desde que as informações sejam estritamente necessárias e restritas às partes do processo. A LGPD permite o uso de dados pessoais no exercício regular do direito em juízo, e o Marco Civil da Internet autoriza a requisição de registros armazenados.
O colegiado, porém, limitou a prova aos horários de trabalho indicados pelo trabalhador e ao período firmado no contrato, determinando o sigilo das informações obtidas. Os ministros Vieira de Mello Filho, Mauricio Godinho Delgado e Luiz José Dezena da Silva ficaram vencidos.
Em decisão paralela, a 5ª Turma do TST autorizou o uso da geolocalização para comprovar horas extras de uma bancária. O banco, que vinha sendo condenado a pagar horas extras sem a possibilidade de contraprova, argumentou que a prova digital traria celeridade e justiça ao processo. O relator, novamente ministro Douglas Alencar Rodrigues, adotou os mesmos fundamentos do caso da SDI‑2. O colegiado declarou nulos todos os atos processuais a partir do indeferimento da prova digital, determinando a reabertura da instrução no primeiro grau. A prova de geolocalização será limitada aos dias e horários informados pelas partes.
Essas decisões indicam que a tecnologia de rastreamento pode ser empregada no âmbito trabalhista, desde que observadas as salvaguardas de privacidade e sigilo. O TST demonstra que a evolução tecnológica não pode ser barreira para a efetividade do direito ao controle da jornada, mas que o uso de dados pessoais deve respeitar os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
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