A Pejotização como Fraude Trabalhista: Análise Jurídica da Contratação de Profissionais de Tecnologia em Regime Home Office

A prática de exigir que trabalhadores abram um CNPJ para receber remuneração, a fim de evitar o registro formal de emprego, é conhecida como "pejotização". Essa modalidade é frequentemente utilizada para evitar os encargos trabalhistas que surgiriam em uma relação de emprego tradicional. No entanto, tal prática pode se caracterizar como fraude à legislação trabalhista e ser objeto de demandas judiciais por reconhecimento de vínculo empregatício. Vou apresentar uma análise sobre este tema, com base em artigos, jurisprudências e normas legais.

Caracterização da Pejotização

A pejotização ocorre quando o trabalhador, em vez de ser contratado como empregado, é compelido a abrir uma empresa individual para prestar serviços a um contratante, evitando o cumprimento de direitos trabalhistas como férias, 13º salário, FGTS, e outros. Em muitos casos, essa prática é considerada ilegal quando, de fato, a relação entre as partes preenche os requisitos da relação de emprego, estabelecidos no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a saber:

  • Pessoalidade: o trabalhador é escolhido pessoalmente para realizar o trabalho.
  • Não eventualidade: o trabalho é realizado de forma contínua.
  • Subordinação: o trabalhador está subordinado às ordens do contratante.
  • Onerosidade: o trabalho é remunerado.

Jurisprudência e Legislação

A jurisprudência tem abordado com rigor a pejotização, especialmente em áreas como tecnologia, onde a prática tem se tornado mais comum no modelo home office. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendido que, se houver os requisitos de vínculo empregatício, o simples fato de haver um contrato de prestação de serviços entre empresas (CNPJ) não afasta a relação de emprego.

Em decisão recente, o TST declarou a nulidade de um contrato de prestação de serviços entre uma empresa de tecnologia e um programador que trabalhava em home office, reconhecendo o vínculo empregatício. A corte ressaltou que o trabalhador estava submetido às mesmas exigências e rotina dos empregados formais da empresa, sendo apenas uma forma de mascarar a relação de emprego (TST - RR 11244-83.2015.5.03.0114).

Home Office e a Pejotização

Com a expansão do trabalho remoto, sobretudo no setor de tecnologia, aumentou a utilização de contratos PJ (Pessoa Jurídica) como forma de driblar encargos trabalhistas. Nesse modelo, muitas empresas se valem da flexibilidade do home office para criar a ilusão de uma relação autônoma. No entanto, o teletrabalho não exclui a possibilidade de vínculo empregatício, se os elementos de subordinação e habitualidade estiverem presentes.

O artigo 75-B da CLT, alterado pela Reforma Trabalhista de 2017, define o teletrabalho como aquele prestado preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação. Contudo, a lei não retira a proteção de direitos trabalhistas do trabalhador em regime de home office, e a ausência de presença física não descaracteriza a subordinação.

A Pejotização na Área de Tecnologia

Profissionais de tecnologia, como desenvolvedores de software, analistas de sistemas e engenheiros de dados, são frequentemente alvo dessa prática. A alta demanda por esses profissionais e a tendência de trabalho remoto facilitam a adoção de contratos PJ. Entretanto, é preciso observar que, se a relação mantiver características de uma relação de emprego — mesmo em regime remoto — a pejotização pode ser reconhecida como fraude.

Um artigo da Revista Brasileira de Direito do Trabalho alerta que “A utilização do contrato de prestação de serviços de forma simulada, sem que haja a verdadeira autonomia do prestador de serviço, configura fraude aos direitos trabalhistas, passível de reconhecimento judicial do vínculo empregatício” (Revista Brasileira de Direito do Trabalho, v. 42, n. 163, 2018).

Impactos Legais e Financeiros

A empresa que adota a pejotização pode enfrentar sérias consequências legais. Além de reconhecer o vínculo empregatício e ser condenada ao pagamento de todas as verbas rescisórias e encargos retroativos, como FGTS, INSS e multas, também corre o risco de ser condenada a indenizar o trabalhador por danos morais, dependendo da extensão da fraude.

Em decisão que se tornou referência, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) condenou uma empresa do setor de tecnologia a indenizar um trabalhador por ter exigido que ele abrisse um CNPJ para ser contratado. A corte reconheceu a prática como “pejotização fraudulenta”, destacando que a imposição de abertura de empresa constitui abuso de direito (TRT-2 - RO 1001397-18.2019.5.02.0464).

Conclusão e Reflexão

A pejotização, principalmente em contextos como o home office e nas áreas de tecnologia, é uma prática que pode ser facilmente desmascarada quando os requisitos de uma relação empregatícia estão presentes. Empregadores devem tomar cuidado com essa prática, pois, além dos encargos retroativos, podem sofrer ações trabalhistas e de danos morais.

A proteção ao trabalhador é um princípio fundamental da legislação trabalhista brasileira, e as empresas devem se atentar para não cair na ilusão de que o contrato PJ é um escudo impenetrável contra ações judiciais. A relação de emprego pode ser reconhecida independentemente da modalidade de contrato formal, sendo a realidade da prestação de serviços o elemento determinante.

Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
  • Revista Brasileira de Direito do Trabalho, v. 42, n. 163, 2018.
  • Tribunal Superior do Trabalho (TST) - RR 11244-83.2015.5.03.0114.
  • Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) - RO 1001397-18.2019.5.02.0464.


A Pejotização como Fraude Trabalhista: Análise Jurídica da Contratação de Profissionais de Tecnologia em Regime Home Office
Rannyelly Alencar Paiva 14 de outubro de 2024
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