Antecipação de pagamento e incidência tributária: fato gerador nas regras do IBS e da CBS

O recente debate sobre a substituição dos tributos sobre consumo por IBS e CBS tem trazido à tona questões cruciais que vão além da simples mudança de alíquotas. A Lei Complementar nº 214/25 estabelece que o fato gerador do novo modelo ocorre no fornecimento, mas permite a antecipação do imposto quando há pagamento prévio, criando uma sobreposição entre o momento financeiro e o jurídico da operação. Essa lógica, embora voltada à eficiência arrecadatória, gera tensão na coerência entre obrigação civil e obrigação tributária, impactando contratos de execução continuada, parcelada ou com entrega diferida.



O princípio da incidência no fornecimento tem como objetivo alinhar o sistema à lógica do imposto sobre valor agregado. No entanto, o próprio texto legal prevê expressamente situações em que o pagamento ocorre antes da entrega. Nesses casos, a legislação impõe o recolhimento proporcional do imposto no ato do pagamento, ainda que a entrega não tenha ocorrido. Esse recolhimento antecipado será posteriormente ajustado no momento do fornecimento definitivo, por meio de complementação ou crédito, conforme o caso.



Na prática, isso significa que o contribuinte pode ser obrigado a recolher o tributo antes mesmo de cumprir integralmente sua obrigação contratual. O deslocamento da exigência fiscal para um momento em que o fato gerador ainda não se concretizou pode afetar o equilíbrio financeiro da operação, especialmente quando a margem de lucro é estreita ou os prazos de fornecimento são longos.



A situação se agrava em casos de inadimplemento, distrato ou entrega parcial. O §5º do artigo 10 estabelece que o crédito do imposto recolhido antecipadamente só poderá ser apropriado se os valores recebidos forem devolvidos. Esse descompasso com o regime civil, que admite a retenção de valores pagos antecipadamente a título de cláusula penal ou indenização, cria um cenário em que o contribuinte pode ficar impedido de recuperar o tributo antecipadamente recolhido quando há justa causa para não restituir integralmente o valor recebido.



Para mitigar esses impactos, torna-se recomendável revisar contratos firmados sob o regime atual cujas obrigações de entrega ou execução se estendam para além do início de vigência do novo sistema. A revisão deve incluir a análise do momento do pagamento, dos efeitos da liquidação financeira e da alocação de riscos em caso de resolução contratual. Setores como construção civil, incorporação, fornecimento industrial e projetos sob demanda podem ser particularmente afetados, já que operam com contratos complexos, margens comprimidas e cronogramas longos.



Além disso, a antecipação tributária pode comprometer a previsibilidade de caixa e aumentar a necessidade de capital de giro. Operações com fornecimento programado ou sujeito a condições específicas exigem atenção redobrada à coerência entre obrigações civis e obrigações fiscais. A imposição do recolhimento com base no pagamento, independentemente da entrega, compromete a neutralidade do sistema e ignora particularidades legítimas dos contratos civis e empresariais.



O novo modelo de incidência do IBS e da CBS introduz uma lógica tributária que, embora coerente com a estrutura do IVA, exige atenção às particularidades da execução contratual. A previsão de antecipação do imposto quando o pagamento ocorre antes do fornecimento gera efeitos que extrapolam o campo fiscal, alcançando o equilíbrio financeiro e jurídico das relações obrigacionais.



Portanto, a transição para o novo sistema tributário exigirá mais do que ajustes contábeis. Exigirá clareza jurídica na definição do fato gerador, rigor na gestão dos contratos e atenção redobrada à coerência entre obrigações civis e obrigações fiscais. A separação entre pagamento e entrega, antes apenas um detalhe de cronograma, passa a ter impacto direto na apuração e na recuperação do tributo. Situações como inadimplemento e distrato tornam-se ainda mais sensíveis, sobretudo diante da exigência de devolução como condição para creditamento.



Em síntese, a substituição dos tributos sobre consumo por IBS e CBS traz à tona desafios que vão além da simples mudança de alíquotas. A antecipação tributária, ao deslocar o momento da exigência fiscal para antes do fato gerador, cria desequilíbrios financeiros e jurídicos que exigem revisão de contratos, planejamento cuidadoso e atenção redobrada à gestão de riscos. A adoção de cláusulas específicas que definam claramente o momento do pagamento, a entrega e a forma de ajuste do tributo pode ser uma estratégia eficaz para mitigar os impactos negativos e garantir a conformidade com a nova legislação.



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Antecipação de pagamento e incidência tributária: fato gerador nas regras do IBS e da CBS
Rannyelly Alencar Paiva 18 de setembro de 2025
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Controvérsias na mudança de critério jurídico em processos de compensação
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