Como advogado do escritório Calaça & Paiva Advogados Associados, apresento a seguir uma análise aprofundada da recente decisão judicial que reconheceu o direito ao crédito presumido de PIS e Cofins no setor frigorífico, especificamente em relação à aquisição de bovinos vivos destinados à produção de carne para o mercado interno.
O contexto jurídico deste tema remonta à criação do regime não cumulativo das contribuições ao PIS e Cofins, cujo objetivo principal é impedir a tributação em cascata. No entanto, a realidade do agronegócio brasileiro apresenta uma peculiaridade: grande parte dos fornecedores, sobretudo produtores rurais pessoas físicas e cooperativas, não contribuem para essas contribuições. Tal fato gera um descompasso que, de forma inevitável, impacta a cadeia produtiva de agroindústrias, sobretudo das frigoríficas.
Para mitigar essa distorção, o legislador instituiu o crédito presumido, previsto no artigo 8º da Lei nº 10.925/2004. Inicialmente, a norma não fazia distinção entre mercado interno e externo, permitindo que as agroindústrias usufruíssem do benefício de forma plena. Contudo, em 2009, a Lei nº 12.058/2009 introduziu restrições, especialmente para a carne bovina comercializada internamente, limitando a aplicação do crédito presumido apenas às exportações e vedando sua fruição nas vendas domésticas.
A partir de 2015, a Lei nº 13.137/2015 alterou substancialmente a disciplina do crédito presumido, reformulando o § 3º do artigo 8º da Lei nº 10.925/2004. A nova redação passou a prever, de forma taxativa, que a única exceção ao benefício seria a aquisição de leite in natura, omitindo qualquer referência à carne bovina. Este passo gerou um debate intenso sobre a possibilidade de revogação tácita do artigo 37 da Lei nº 12.058/2009.
Do ponto de vista da Receita Federal, a posição tem sido de manutenção do regime restritivo. Baseando-se nas Soluções de Consulta Cosit nº 309/2017 e nº 188/2021, a Receita sustenta que o artigo 37 da Lei nº 12.058/2009 permanece vigente, citando o princípio da especialidade, que estabelece que uma norma mais específica prevalece sobre uma norma geral.
Em contraste, os contribuintes do setor de carnes argumentam que a reforma de 2015, ao regular integralmente a matéria e prever apenas a exceção expressa referente ao leite in natura, revogou tacitamente a vedação anterior. Essa interpretação encontra respaldo no artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro, que prevê a revogação tácita quando uma norma posterior, ao tratar de forma mais abrangente o mesmo tema, exclui expressamente as disposições anteriores.
A técnica legislativa adotada pela Lei nº 13.137/2015 demonstra a intenção de uniformizar o regime, conferindo maior clareza e simplificação. A adoção de uma única exceção expressa implica, pela hermenêutica clássica, a exclusão das demais vedações implícitas ou anteriores, seguindo o princípio de que a expressão de uma exceção implica exclusão de outras.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se mostrado favorável à interpretação teleológica do direito tributário. Em particular, no AREsp 1.320.972/SP, a Corte afastou formalismos fiscais em favor de uma análise finalística da política tributária, reforçando a prevalência do objetivo de desoneração da cadeia produtiva.
O STJ também estabeleceu, no Tema Repetitivo 779 (REsp 1.221.170/PR, 2018), critérios para a interpretação do conceito de insumo. Segundo a decisão, o bem ou serviço deve ser considerado insumo quando for essencial para a atividade-fim da empresa ou quando, mesmo não sendo indispensável, for relevante para a qualidade do produto final ou para o cumprimento de obrigações legais. No caso da carne bovina, a aquisição de bovinos vivos é essencial para a produção de carne, o que reforça a possibilidade de fruição do crédito presumido.
No plano processual, o mandado de segurança permanece como instrumento eficaz para reconhecer o direito ao crédito presumido e declarar a inexigibilidade da restrição fiscal. Embora não produza efeitos patrimoniais retroativos, o mandado de segurança pode ser usado para requerer a compensação tributária, conforme a Súmula 213 do STJ. Assim, o contribuinte pode, após o reconhecimento do direito, pleitear a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos, com atualização pela taxa Selic, em consonância com o artigo 165, I, do Código Tributário Nacional.
O julgamento mais recente, que concedeu o direito ao creditamento da Cofins e do PIS presumidos a um frigorífico, consolidou a tese de que o artigo 37 da Lei nº 12.058/2009 foi revogado tacitamente pela Lei nº 13.137/2015. Essa decisão tem implicações significativas para o setor de carnes, pois garante que os frigoríficos que adquirem bovinos vivos para produção de carne destinada ao mercado interno tenham direito líquido e certo ao crédito presumido de PIS e Cofins.
Além disso, a decisão abre caminho para que as empresas do setor acionem a compensação ou restituição de valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos, assegurando a atualização monetária conforme previsto no Código Tributário Nacional. Este precedente reforça o princípio da não cumulatividade e a coerência da política fiscal voltada à agroindústria, oferecendo segurança jurídica e previsibilidade para os operadores econômicos.
Em síntese, a análise legislativa, hermenêutica e jurisprudencial conduz à conclusão de que a Lei nº 13.137/2015 revogou tacitamente o artigo 37 da Lei nº 12.058/2009. Assim, os contribuintes que adquirem bovinos vivos para produção de carne destinada ao mercado interno possuem direito ao crédito presumido de PIS e Cofins, conforme a redação vigente do artigo 8º, § 3º, I, da Lei nº 10.925/2004. Este entendimento reforça a importância de as empresas do setor frigorífico utilizarem o Judiciário federal para fazer valer seus direitos, garantindo a devida compensação ou restituição dos valores pagos indevidamente.
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