Do futebol ao fitness: inovação versus tradição na disputa entre CBMF e Cref

O debate sobre quem pode ensinar musculação no Brasil vai além de um simples questionamento de diplomas. Ele reflete um choque entre a tradição regulatória e a necessidade de inovação nas profissões esportivas. Enquanto a Confederação Brasileira de Musculação, Fisiculturismo & Fitness (CBMF) propõe um novo modelo de certificação, os Conselhos Regionais de Educação Física (Crefs) defendem o monopólio regulatório tradicional, criado para proteger a sociedade por meio de padrões éticos e técnicos.



A Lei 9.696/1998 estabelece a exigência de formação universitária em Educação Física e registro no Cref para atuar em atividades relacionadas ao esporte. Essa regra traz segurança jurídica e proteção ao consumidor, mas pode ser rígida ao não reconhecer a experiência prática adquirida fora do ensino superior. Um atleta de 20 anos com duas décadas de levantamento de peso, medalhista internacional e especialista em biomecânica pode ser impedido de treinar jovens porque não cursou Educação Física, enquanto um recém‑formado universitário sem experiência prática pode atuar livremente nas academias.



O futebol já resolveu essa tensão. A Confederação Brasileira de Futebol criou a CBF Academy, responsável por formar, certificar e homologar treinadores. Técnicos de renome como Tite, Dorival Júnior, Abel Ferreira e Luiz Felipe Scolari comandam clubes e seleções sem registro no Cref. O modelo próprio de validação esportiva foi socialmente aceito, juridicamente estável e reconhecido internacionalmente, demonstrando que a inovação regulatória pode superar a tradição em determinados setores.



Com a Lei Geral do Esporte de 2023, o cenário mudou. A legislação abriu espaço para pluralidade de certificações e reconheceu explicitamente o papel das entidades esportivas na formação de quadros técnicos. Isso dá respaldo à CBMF, que oferece cursos de certificação de cerca de 18 meses focados em musculação e fitness. A entidade propõe um caminho paralelo que dialoga com a realidade prática do treinamento, sem se colocar contra o sistema tradicional.



O conflito não se limita ao setor esportivo. O Supremo Tribunal Federal, em ADI 4.399, já decidiu que não se pode exigir profissional de Educação Física em regime de tempo integral em atividades recreativas de baixo risco. A decisão reforça a ideia de que a exigência de registro no Cref pode ser flexível quando a atividade não representa risco significativo à saúde.



Outros setores, como tecnologia, já legitimam carreiras por certificações privadas – AWS, Google, Microsoft – que muitas vezes têm mais peso no mercado que diplomas formais. A multiprofissionalidade na saúde esportiva, com nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e preparadores físicos atuando lado a lado, já demonstra que diferentes habilitações podem coexistir de forma eficaz.



Assim, a CBMF não ameaça o sistema tradicional, mas complementa-o. O direito deve reconhecer que a sociedade contemporânea funciona por meio de formas plurais de certificação e legitimidade. O Confef/Cref pode manter sua relevância na formação ampla em Educação Física, enquanto entidades especializadas atendem demandas específicas de mercados segmentados. O resultado será um ecossistema profissional mais rico, diverso e adaptado às realidades do século 21.



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Do futebol ao fitness: inovação versus tradição na disputa entre CBMF e Cref
Rannyelly Alencar Paiva 8 de outubro de 2025
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