Estelionato sentimental gera direito a indenização de danos morais e materiais, decide Quarta Turma


A recente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) representa um marco importante na proteção dos direitos das vítimas de fraudes emocionais, popularmente conhecidas como estelionato sentimental. O entendimento do STJ, por unanimidade, reconhece que a simulação de um relacionamento amoroso, com o intuito de obter vantagem financeira de outra pessoa, configura um ato ilícito e, portanto, passível de reparação por danos morais e materiais. Neste contexto, é imprescindível analisar a questão sob a perspectiva do Direito, dos princípios que regem as relações afetivas e das implicações jurídicas que esse tipo de comportamento pode acarretar.



O caso em questão envolveu um homem que, ao se relacionar afetivamente com uma mulher mais velha e viúva, simulou um envolvimento amoroso para induzi-la a contrair empréstimos em seu benefício. Essa prática deliberada de induzir a vítima a um erro, visando a obtenção de vantagem financeira, reforça a necessidade de uma discussão mais ampla acerca da dignidade humana, do respeito às relações afetivas e dos limites que não podem ser ultrapassados nas interações sociais.



A vítima, que alegou ter repassado cerca de R$ 40 mil ao réu durante o relacionamento, relatou que a situação se tornou insustentável após o homem abandonar o relacionamento ao perceber a recusa dela em atender a novas solicitações de dinheiro. Essa narrativa ilustra a manipulação emocional e a exploração da vulnerabilidade do outro – características comumente associadas ao estelionato sentimental.



O contexto jurídico do estelionato sentimental



O ordenamento jurídico brasileiro, e especialmente o Código Civil, estabelece diretrizes claras acerca das obrigações e responsabilidades que surgem nas relações interpessoais. O artigo 186 do Código Civil brasileiro define que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito. Por sua vez, o artigo 927 determina que quem, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.



Com isso, ao analisarmos o caso concreto, é possível identificar a presença dos requisitos para configuração do ato ilícito: a obtenção de vantagem ilícita, a utilização de meios fraudulentos e a indução da vítima em erro. Os elementos mencionados são essenciais na caracterização do estelionato, conforme já explicado pela relatora do recurso especial, ministra Isabel Gallotti.



A questão, portanto, envolve não apenas o aspecto financeiro, mas principalmente a relação de confiança e afeto que deve existir em qualquer interação amorosa. A quebra dessa confiança não apenas causa danos materiais, mas infere um profundo impacto moral que precisa ser reparado, tornando a questão da indenização por danos morais fundamental no contexto de relações afetivas.



A vulnerabilidade emocional das vítimas



Um dos aspectos mais relevantes a se considerar ao falar sobre estelionato sentimental é a vulnerabilidade emocional das vítimas. O amor e as relações afetivas exigem um nível de confiança e sinceridade que, quando violado, pode resultar em traumas significativos. A exploração da fragilidade emocional de uma pessoa, especialmente na forma como ocorreu no caso em discussão, eleva a gravidade do ato, requerendo não apenas a reparação financeira, mas também uma reflexão mais ampla sobre questões de empatia, respeito e dignidade.



É importante reconhecer que muitos indivíduos que se tornam vítimas desse tipo de fraude podem não estar preparados emocionalmente para lidar com as consequências de uma relação baseada na manipulação e na enganação. Muitas vezes, a busca por amor ou companheirismo pode levar pessoas a ignorarem sinais de alerta e a se submeterem a comportamentos que, em um contexto mais racional, seriam inaceitáveis. Portanto, a proteção legal contra esses atos deve ser uma prioridade do sistema jurídico, com o objetivo de preservar a dignidade e o bem-estar psicológico dos indivíduos.



A decisão do STJ e suas consequências



A decisão unânime do STJ em manter a condenação do réu, na qual ele foi obrigado a pagar R$ 40 mil por danos materiais e R$ 15 mil por danos morais, não apenas reforça a necessidade de reparação às vítimas de estelionato sentimental, mas também serve como um aviso aos possíveis infratores. O reconhecimento de que a simulação de um relacionamento amoroso pode resultar em sanções legais representa um passo significativo para a proteção dos direitos individuais e coletivos na esfera emocional.



A manutenção dessa decisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que já havia reconhecido a ocorrência de danos materiais e morais, sinaliza que a Justiça está disposta a considerar a vulnerabilidade das vítimas em relações desiguais, onde um dos lados se aproveita do afeto e da confiança depositados pelo outro. A importância da reparação, tanto em natureza material quanto moral, é essencial para a restituição da dignidade e do equilíbrio emocional da vítima.



Aspectos legais e procedimentos judiciais



Cabe destacar que, em casos como o que foi analisado pelo STJ, a vítima tem a prerrogativa de buscar a Justiça para pleitear a reparação pelos danos sofridos. Para tanto, é fundamental que sejam reunidos elementos de prova que demonstrem tanto a existência do ato ilícito quanto o nexo de causalidade entre as ações do réu e os danos causados à vítima. Nesse sentido, testemunhos, registros de conversas e documentos que comprovem as transferências financeiras podem ser essenciais para a construção de um caso sólido.



A advocacia, por sua vez, desempenha um papel crucial na orientação das vítimas, garantindo que seus direitos sejam respeitados e que haja um suporte efetivo durante todo o processo judicial. O papel do advogado vai além de simplesmente representar a parte interessada; envolve também a capacidade de ouvir, acolher e propor estratégias que visem a melhor solução para o caso, sempre com foco na justiça e na reparação dos danos sofridos.



Considerações finais e reflexões



A crescente incidência de casos de estelionato sentimental evidencia a necessidade de um debate mais profundo e abrangente sobre ética nas relações afetivas e sobre como a legislação brasileira pode, de forma eficaz, proteger indivíduos vulneráveis. O reconhecimento, pelo STJ, de que esse tipo de ato configura uma apropriação indébita não só do patrimônio financeiro, mas também do emocional, é um sinal positivo que devemos acompanhar com atenção.



Além das medidas jurídicas, é vital que haja um esforço maior de conscientização sobre os riscos de manipulação emocional, promovendo, assim, relações mais saudáveis e respeitosas. O amor deve ser uma construção baseada em confiança, empatia e respeito mútuo, e não um campo fértil para fraudes e manipulações. Somente assim podemos aspirar a uma sociedade em que as relações interpessoais sejam pautadas pela ética e pela dignidade, e em que os mecanismos legais atuem de forma eficaz na proteção dos indivíduos mais vulneráveis.


Estelionato sentimental gera direito a indenização de danos morais e materiais, decide Quarta Turma
Rannyelly Alencar Paiva 13 de julho de 2025
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