Mitos e realidade no processo legislativo e seu controle judicial

O conceito de devido processo legislativo tem sido o pilar que sustenta a legitimidade das normas em vigor no país. Em teoria, ele prevê um conjunto de regras e procedimentos que, se respeitados, garantem a transparência, a deliberação qualificada e a conformidade constitucional das leis. Contudo, a prática legislativa, especialmente nas sessões do Congresso, revela uma realidade muito distinta, marcada por negociações políticas intensas e pelo poder de agenda.



O poder de agenda, exercido sobretudo pelos presidentes da Câmara e do Senado, permite que determinados atores determinem quais propostas serão incluídas na Ordem do Dia, quando serão votadas e em que sequência. Esse controle pode favorecer a aceleração de projetos que atendam aos interesses da maioria dominante, ao custo de reduzir a discussão aprofundada sobre questões relevantes. A agenda temática, por exemplo, agrupa pacotes de normas em votações rápidas, dificultando a análise individual de cada dispositivo.



Além disso, os agentes políticos – partidos, executivo, grupos de interesse e movimentos sociais – não se limitam ao debate legislativo. Eles recorrem ao Judiciário, principalmente ao Supremo Tribunal Federal, por meio de ações como ADIs, ADPFs, mandados de segurança e amicus curiae, buscando anular leis adversas ou compelir a implementação de políticas não aprovadas no Legislativo. Assim, o STF passa a desempenhar uma função de “terceira casa” informal, transformando o tribunal em palco central da disputa política. Esse fenômeno, que chamamos de tricameralismo à brasileira, fragiliza a confiança nas instituições democráticas, pois a percepção de que tudo é política gera desconfiança na própria validade do sistema jurídico e na separação entre os poderes.



Em meio a esse cenário, o controle judicial do processo legislativo surge como mecanismo para assegurar que a realidade política não viole os preceitos fundamentais do mito do devido processo. Entretanto, a intervenção judicial não opera de forma neutra. O próprio Judiciário, ao julgar questões legislativas, traz consigo escolhas valorativas e ponderações de topoi – lugares comuns retóricos que norteiam a argumentação jurídica. Assim, a suposta objetividade judicial pode mascarar a influência de interesses políticos, criando um ciclo em que o Legislativo e o Judiciário se alimentam mutuamente de decisões que reforçam a polarização institucional.



Para compreender essa dinâmica, vale a pena refletir sobre a diferença entre a abordagem tópica e a lógica formal. Enquanto a lógica formal busca submeter casos concretos a hipóteses abstratas de normas, a abordagem tópica, mais adequada para resolver problemas complexos, permite a construção de argumentos que levam em conta o contexto político e social. No entanto, a justificativa final tende a apresentar a decisão como inevitável, ocultando as escolhas valorativas que realmente a sustentam.



Assim, a tensão entre o ideal do devido processo legislativo e a realidade do poder de agenda e da politização do Judiciário define o panorama atual da política brasileira. A necessidade de garantir a legitimidade das leis passa a ser um desafio constante, exigindo mecanismos que equilibram a eficiência legislativa com a preservação dos princípios democráticos e constitucionais.



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Mitos e realidade no processo legislativo e seu controle judicial
Rannyelly Alencar Paiva 30 de setembro de 2025
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